segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Alfa





"They are playing a game. They are playing at not playing a game. If I show them I see they are. I shall break the rules and they will punish me. I must play their game, of not seeing I see the game."


(R.D. Laing: Knots)


Nos poços


Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobri quê.


O Ovo Apunhalado, Caio. F.


terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Songs Muses

Lou Reed: Walk On The Wild Side (1972)
"Holly came from Miami FLA.Hitchhiked her way across the USA.Plucked her eyebrows on the wayShaved her leg and then he was a sheShe says, hey babe, take a walk on the wild side"

Blur: Country House (1995)
"City dweller, successful fellaThought to himself, Oops I've got a lot of moneyI'm caught in a rat race terminallyI'm a professional cynic but my heart's not in itI'm paying the price of living life at the limit...He lives in a house, a very big house in the country"

The Beatles: She's Leaving Home (1967)
"Wednesday morning at five o'clock as the day beginsSilently closing her bedroom doorLeaving the note that she hoped would say moreShe goes downstairs to the kitchen clutching her handkerchiefQuietly turning the backdoor key,Stepping outside she is free"

De onde vêm os personagens:
http://www.guardian.co.uk/music/2008/dec/13/people-inspired-pop-songs-muses
Quem achou: http://donttouchmymoleskine.wordpress.com/

Benjamin Button

Um conto de Fitzgerald filmado por David Fincher, com Brad Pitt. Pode dar certo.
The Rolling Stone interview
http://www.rollingstone.com/news/coverstory/24958066

domingo, 7 de dezembro de 2008

As crises periódicas de sobre-produção


Ernest Ezra Mandel, introdução ao marxismo

Todas as contradições inerentes ao modo de produção capitalista culminam periodicamente em crises de sobre-produção. A tendência para essas crises periódicas segue uma marcha cíclica da produção, que atravessa sucessivamente as etapas de reanimação econômica, de alta conjuntura, de "sobre-aquecimento" (boom), de crise e de depressão, todas inerentes a esse modo de produção e só a ele. A amplitude dessas flutuações pode variar de época para época, mas a sua realidade é inevitável em regime capitalista.

Houve crises econômicas (no sentido de interrupção da produção normal) em sociedades pré-capitalistas; existem também nas sociedades pós-capitalistas. Mas nem em um caso nem no outro existem crises de sobre-produção de mercadorias e de capitais, antes de crises de sub-produção de valor de uso. O que caracteriza a crise de sobre-produção capitalista é que os rendimentos baixam, o desemprego cresce, a miséria instala-se, não porque a produção física baixe, mas, ao contrário, porque aumenta de maneira excessiva em relação ao poder de compra disponível. É porque os produtos são invendáveis que a atividade econômica baixa e não porque fisicamente escasseiem.

Na base das crises periódicas de sobre-posição estão, ao mesmo tempo, a baixa da taxa média de lucro, a anarquia da produção capitalista e a tendência a desenvolver a produção sem ter em conta os limites que o modo de distribuição burguês impõe ao consumo das massas laboriosas. Por efeito da baixa da taxa de lucro, uma parte crescente dos capitais já não pode obter um lucro suficiente. Os investimentos reduzem-se. O desemprego cresce. A falta de venda de um número crescente de mercadorias combina-se com esse fator para precipitar a queda geral do emprego, dos rendimentos, do poder de compra e da atividade econômica no seu conjunto.

A crise de sobre-produção é, simultaneamente, o produto destes fatores e o meio de que dispõe o regime capitalista para lhe neutralizar parcialmente os efeitos. A crise provoca a baixa de valor das mercadorias e a falência de numerosas firmas. O capital total sofre pois uma redução em valor. Isso permite uma recuperação da taxa de lucro e da atividade acumulativa. O desemprego maciço permite aumentar a taxa de exploração da mão de obra, o que conduz ao mesmo resultado.

A crise econômica acentua as contradições sociais e pode desembocar numa crise social e política explosiva. Assinala que o regime capitalista está maduro para ser substituído por um regime mais eficaz e mais humano, que deixe de dissipar os recursos humanos e materiais. Mas a crise não provoca automaticamente a derrocada deste regime. Deve ser derrubado pela ação consciente da classe revolucionária que fez nascer: a classe operária.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

The Corporation

Um dos problemas da minha geração é o fato de não haver um inimigo comum a combater. Claro que o capital é um inimigo, mas a minha é a primeira das gerações que passou a vê-lo como algo inevitável e perpétuo. Aquela preguiça burra de se conformar quando as coisas parecem difíceis de serem mudadas, já que existem desde que nascemos e continuam a existir. Daí, os que não se conformam, ficam dispersos. Vão para o Greenpeace, para o PSTU, para algum templo zen budista, para a psicanálise, ou para a arte individualista. Todos lenitivos para tentar viver melhor em meio a uma realidade angustiante permeada pelo produto e pela prevalência da imagem.

Mas ontem vi The Corporation algumas coisas ficaram mais claras. No final das contas, todos esses movimentos, desde os de defesa dos direitos dos animais até os de defesa dos direitos dos trabalhadores, até o indivíduo angustiado no divã, estão tentando se proteger das conseqüências do poder ilimitado das grandes corporações. Elas são a real face do capitalismo hoje, um grupo de no máximo 200 empresas que passam por cima de toda e qualquer lei estatal que defenda algum tipo de interesse coletivo para obter seu único objetivo: lucro máximo.

Daí a ausência de democracia. É possível democracia em um mundo onde as grandes corporações têm total poder para fazer o que quiserem para ter mais e mais lucro? Corporações podem explorar trabalhadores em qualquer país do globo, desrespeitando qualquer lei ambiental e de direitos humanos, e os governos locais ainda agradecem, já que elas estão “incentivando a economia local”. Corporações podem usar meios ilegais para aumentar a produtividade com a conivência de governos e da mídia. E com a globalização, se tornam ainda mais poderosas, fazendo com que leis de cada nação se pareçam mais uma piada. No lugar da Igreja e do Estado, as corporações formam a instituição mais poderosa hoje. Só que ninguém as elegeu, e ninguém as percebe como um poder único.

Que importa a eleição de Obama, sendo que quem realmente governa os EUA e o globo são os grandes grupos empresariais? As regras já estão dadas. E o pior, nem mesmo dentro das empresas há algum tipo de democracia. Nem mesmo os CEOs (jargão militar!) sabem o que estão fazendo. Têm que prestar contas a acionistas, cujo único interesse é a alta rentabilidade. Ou seja, mesmo que bem intencionado e preocupado com o “bem coletivo” um CEO não é capaz de mudar nada dentro de uma corporação, já que a lucratividade é o objetivo maior. Ignorância dos interesses coletivos em nome dos privados: caos.

O caos já existe faz tempo do lado de cá, das conseqüências, dos males ao meio ambiente e da pobreza generalizada, da concentração do capital de forma a impedir qualquer reação, já que é cada vez mais difícil se tornar dono de um meio de produção. Mas agora o caos está passando para o lado de lá. Esse total desrespeito aos interesses coletivos está engolindo o próprio capital que, se der lucro, é capaz de vender a própria corda que vai enforcá-lo. Claro que não sou tão inocente a ponto de achar que ele vai acabar aqui. Ele encontra seus meios de se perpetuar. As crises são feitas justamente para ele se perpetuar, quando muitos estão ganhando, os mais fortes dão um jeito de alijar os bicões da festa.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Manual do crescimento

Este Lado do Paraíso, F. Scott Fitzgerald

Monsenhor Darcy convidou Amory para passar uma semana no palácio Stuart, junto ao rio Hudson, durante o Natal, e lá os dois tiveram prolongadas conversas ao pé da lareira. Monsenhor estava ficando um tanto corpulento e sua personalidade acompanhava aquela expansão. Amory sentiu segurança e conforto em refestelar-se numa poltrona bem macia e em fumar com ele um charuto, hábito tão saudável na meia-idade.
“Tenho pensado em deixar a universidade, monsenhor”.
“Por quê?”
“Minha carreira está se dissipando no ar, como fumaça; o senhor poderá achar que isso é trivial, mas...”.
“Trivial? De modo algum. Penso que é extremamente importante. Quero que você me conte tudo que andou fazendo, desde a última vez que nos vimos”.
Amory assim o fez. Narrou, com todos os pormenores, a destruição provocada por seus procedimentos egoístas. Daí a meia-hora, o tom apático com que se exprimia mudou.
“Não sei, não. Gosto de viajar, mas evidentemente essa guerra cansativa me impede. De qualquer modo, minha mãe detestaria que eu não me formasse. Sinto-me perdido. Kelly Holiday quer que me aliste com ele no Esquadrão Lafayette.”
“Você mesmo sabe que não gostaria de ir”.
“Sim, algumas vezes sei, mas hoje iria em um segundo”.
“Bem, para isso você teria de estar muito mais cansado da vida do que penso que está. Eu o conheço”.
“Receio que sim”, concordou Amory com relutância. “É que isso me pareceu o modo mais fácil de me livrar de tudo, especialmente quando penso em mais um ano inútil, sem o menor interesse, na universidade”.
“Sim, eu sei, mas para dizer a verdade não me preocupo com você. Parece-me que está realizando progressos, e com a maior naturalidade.”
“Não”, retrucou Amory, “em um ano perdi metade de minha personalidade”.
“De modo algum”, disse monsenhor, em tom zombeteiro. “O que você perdeu foi apenas uma bela carga de vaidade”.
“Antes fosse! De qualquer modo, sinto como se tivesse repetido o ano mais uma vez em St. Regis”.
“Não.” Monsenhor balançou a cabeça. “St. Regis foi uma falta de sorte, mas a universidade lhe tem feito bem. Qualquer coisa válida que possa acontecer não será através dos canais que você andou buscando no ano passado”.
“Mas o que poderia ser mais inútil do que a minha atual falta de entusiasmo?”
“Talvez a coisa em si... mas você está progredindo. Isso lhe deu tempo para pensar e você está desvencilhando-se de boa parte de seus conceitos sobre fazer sucesso, ser um super-homem etc. Pessoas como nós não podem adotar teorias em bloco, conforme você fez. Se pudermos pôr em prática o próximo objetivo que nos interessa e se pudermos dedicar uma hora por dia para refletir sobre ele, realizaremos coisas maravilhosas. No entanto, faremos papel de idiotas se nos entregarmos a qualquer esquema ditatorial que envolva submissão a uma dominação absoluta”.
“Mas, monsenhor, é esse próximo objetivo que eu não consigo pôr em prática.”
“Amory, cá entre nós, só muito recentemente é que eu aprendi como agir neste sentido. Há mil coisas que eu consigo fazer, além do próximo objetivo, mas é exatamente isso que me bloqueia, exatamente como a matemática me bloqueou na universidade.”
“Mas por que devo realizar meu próximo objetivo? Nunca me parece o tipo de coisa que eu deva fazer”.
“Temos de fazer, pois não somos personalidades, mas personagens”.
“Boa fala, mas o que o senhor quer dizer com ela?”
“Personalidade é aquilo que você julgava ser, aquilo que esse Kelly e esse Sloane, de quem você me fala, evidentemente são. Personalidade é quase inteiramente uma questão física. Ela rebaixa as pessoas sobre as quais atua e muitas vezes eu a vi desvanecer, por exemplo sob uma prolongada doença. Mas enquanto uma personalidade é ativa, ela ignora o ‘próximo objetivo’. Um personagem, por outro lado, aglutina. Nunca se pensa nele à parte daquilo que realizou. Ele é uma viga-mestra, na qual foram dependuradas milhares de coisas, às vezes coisas brilhantes, como são as nossas. Ele, porém, usa-as com fria determinação.”
“Várias de minhas possessões mais brilhantes me fizeram falta quando eu mais precisava delas.”
“Precisamente. Isso acontece quando você sente que seu prestígio e seu talento se acumularam e você não precisa se preocupar com quem quer que seja. Pode lidar com as pessoas sem a menor dificuldade.”
“Mas, por outro lado, não possuo nada, estou desamparado!”
“De modo algum!”
“Bom, não deixa de ser uma idéia.”
“Você tem tudo para começar bem e é uma condição que Kelly ou Sloane, por razões estruturais, jamais terão. Livrou-se de três ou quatro coisas supérfluas e, num momento de capricho, desfez-se de tudo o mais. O importante agora é apropriar-se de coisas novas e quanto maior for o alcance de sua visão, nesse ato de apropriação, melhor para você. Lembre-se, porém, do próximo objetivo!”
“Como o senhor deixa tudo tão claro!”
E assim dialogavam, muitas vezes a respeito de si mesmos e outras sobre filosofia, religião e também sobre a vida como jogo ou mistério. O sacerdote parecia adivinhar os pensamentos de Amory antes mesmo que se tornassem claros para o jovem, a tal ponto suas mentes estavam sintonizadas.
(...)
Após voltar à universidade, Amory recebeu várias cartas do monsenhor, que lhe forneceram mais combustível com que alimentar seu egocentrismo.

Receio ter lhe dado excessivo apoio em relação à sua inevitável segurança, mas deve lembrar-se que agi assim devido à fé nos esforços que você empreende e não movido pela total convicção de que triunfará sem muito lutar. Precisará reconhecer que existem certas nuances em seu caráter, mas deve tomar cuidado em confessá-las para os outros. Você não é nada sentimental, é quase incapaz de afeto, é astuto, sem ser matreiro, vaidoso, sem ser orgulhoso.
Não se permita o sentimento de inutilidade. Muitas vezes, ao longo da vida, você estará em seu pior momento quando tiver sua pessoa no mais elevado conceito. Não se preocupe em perder sua “personalidade”, como insiste em chamá-la. Aos quinze anos você possuía o esplendor da alvorada, aos vinte começará a ter a cintilação melancólica da lua e quando chegar à minha idade irradiará, como eu irradio, o dourado e genial calor do início do crepúsculo.
Se acaso me escrever, deixe que suas cartas sejam naturais. A última delas, seu ensaio sobre arquitetura, era detestável e de tal modo empolada que eu o visualizo vivendo em um vácuo intelectual e emocional. Cuide de não tentar classificar muito definidamente as pessoas em tipos. Descobrirá que, durante toda sua vida, elas persistiram, de maneira muito tediosa, em saltar de uma classe para outra, e ao aplicar um rótulo desdenhoso em todo mundo estará prendendo um boneco de mola numa caixa, que saltará e zombará de você quando começar a manter, com o mundo, um contato realmente antagônico. Idealizar um homem da estatura de um Leonardo da Vinci seria uma referência mais valiosa no momento que você está vivendo.
Você está sujeito a elevações e quedas, conforme aconteceu comigo em minha juventude, mas mantenha a clareza de espírito e, se acaso tolos ou sábios ousarem criticá-lo, não se culpe excessivamente.
Você afirma que a convicção é aquilo que o mantém verdadeiramente íntegro nesta “proposta feminina”, porém é mais do que isto, Amory. É o receio de não poder interromper aquilo que iniciou. Se isso acontecesse, você se desorientaria e sei do que estou falando. Trata-se daquele sexto sentido, meio milagroso, por meio do qual você detecta o mal, é aquele temor a Deus, do qual você se dá conta em parte, e que reside em seu coração.
Qualquer que seja o caminho que venha a seguir – religião, arquitetura, literatura – tenho plena convicção de que estaria muito mais seguro ao apoiar-se na Igreja, porém não colocarei minha influência em risco argumentando com você, embora, no íntimo, esteja convencido que o “abismo negro de Roma” se abre diante de sua pessoa. Não demore para escrever-se

Lembranças afetuosas
THAYER DARCY

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Indigo shoes


You ain't never been blue, no, no, no
You ain't never been blue
Till you've had that mood indigo
That feeling goes stealing down to my shoes
While I just sit here and sigh

Mood Indigo, Nina Simone

A obsessão por shoes deve ter uma explicação. Torção do tornozelo em julho, em um bar que se dizia rock n' roll em Buenos Aires, mas que no final, eletrônico de péssima. E desde então, olho sempre onde piso, mirando de vez em quando meus próprios pés. A obsessão por olhar, pensar e calcular antes de agir era algo tão distante da minha personalidade que precisei de alguns percalços, degraus inexistentes, pedras no sapato e afins para conseguir adaptá-la à minha impulsiva racionalidade. Agora, tudo parece passar pelo controle do cálculo, mesmo que mal feito, já que não sou e nunca serei boa em matemática, por mais que a psicanálise insista em criar fórmulas para meu comportamento BOCÓ.

Fase de desconfiança exacerbada é uma bosta. Olho torto até para a minha sombra, quanto mais para as letras, tão mentirozinhas, sonsas e cínicas. Não, vocês não vão chegar à verdade mesmo que insistam em tentar representar com todos os detalhes possíveis a menor partícula minimazinha do mundo das aulas de química. Não, vocês, letrinhas, não conseguem porque estão também sujinhas desse fetichismo besta que é o capital. Mas pelo menos, consegui me descontaminhar da pseudo-sensibilidade vendida em qualquer bar da vila madalena e de algumas das pessoas que, por alguma razão ou outra, deixei que entrassem. Mas afinal, diriam, a porta estava aberta.

Descobri, no entanto, que o que me faltava era apenas dar alguns passos. Descer a Angélica com fones de ouvido e sentir que se continuar andando vou lembrar de manter as minhas costas retas. Meus ombros largos e para trás. Postura. Mas não postura blasé, artificial, fake, como tudo que tenho visto nos últimos tempos. Uma postura só minha contra a gravidade. Contra a gula de um mundo cheio de produtos. Desses rostinhos de dodói, mas corados pelo dindim.


Shoes

Let the truth be known / I’ve got to walk around in my own tennis shoes / Let the truth be known / I have to learn to live in this world on my own / Let the truth be known / Nobody showed me how supposed to go.

Bob Forrest – The Bicycle Thief


http://ffffound.com/

blink

Poetry is not a sign of heart, she said.
I´m getting out of light, he said.
But I think it’s my fault.
Things are going weirder and weirder and we don’t seem to see.
Let me go back to my backyard
And try to hold on something beautiful.
Not let go. Let it be weird. Let it be reasonable for itself.
Focusing on what is precious. Late at night, it might sound funny.
Have the dimension of whats huge. Sound like a silver machine.
Golden silence.
Fallen leaf silence.
Across those dark eyes you will see.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

margaridas enlatadas

Com olhos verdes pequenos e ouvidos tapados por fones brancos de iPod, Alice mirava prateleiras no supermercado, à procura. Sabia para quê tinha chegado até ali, mas lembrava-se do que lhe causava o maior dos desprezos dias atrás: margaridas enlatadas. Desviava-se delas e sentia calafrios ao pensar que poderia errar, ceder ao desejo consumista do menor esforço. Mas se via ali, errando pelos corredores brancos e luminosos.

Ao perceber a chegada de uma ousadia fugaz, tirou os chinelos e sentiu o gelado do piso de lajotas para que, no futuro, lembrasse daquele momento com mais clareza. Olhava ao redor e engolia com as pupilas as luzes brancas e brilhantes que, juntas, lhe causavam tanta náusea. Sabia no fundo que seu maior temor era acertar. Se atingisse o alvo, teria de enfrentar sua própria liberdade.

Sou a personificação de um bode, pensou, sem saber o real significado do que lhe vinha. Na realidade, sentia uma chatice feia sem origem aparente. Na realidade, - palavra que usava mais por força de expressão do que por crença em seu sentido - se deu conta de que vinha nas últimas horas se debatendo para controlar uma dor no peito. Não tinha percebido até então que estava se afogando no ar, parada entre as prateleiras, lutando contra a percepção da dor, que se mostrava tão suave como uma agulha penetrando músculos.

How and why and when and where to go
How and why and when and where to follow
But if you are feeling sinister
Go off and see a minister
He'll try in vain to take away the pain of being a hopeless unbeliever

Foi então que o inevitável ocorreu. Sua necessidade patológica de ver margaridas começou a lhe formigar os pés, subir pelos joelhos, coxas, virilha, genitais, barriga, seios, pescoço e, finalmente, à boca, olhos e cabelos. Uma lembrança vinha sempre nessas horas. Aqueles anos idealizados, quando tinha entre 17 e 19 anos, quando começou a usar margaridas. No início, as consumia esporadicamente, até que o prazer que elas lhe proporcionavam pareceu indispensável. Nesse tempo, elas existiam realmente. Eram plantadas e colhidas. Encontradas em parques, bibliotecas, no meio de livros, filmes, pessoas especiais, sorrisos e dias ensolarados. Em cafés e cigarros, acordes e sons de bateria.

O formigamento era um sintoma da abstinência, havia dito o medicozinho medíocre que diagnosticou o seu incômodo. Tratava-se de uma patologia comum entre pessoas que alguma vez haviam provado o cheiro, a cor e a beleza das margaridas. Pessoas que ficavam muito tempo em quarentena, sem entrar em contato com as flores, passavam por fortes crises depois que voltavam a entrar em contato com elas. Surgiam também sintomas como insatisfação crônica, ceticismo, apatia e falta de vontade de ver e de fazer.

Sim, ela admitiu. Sintomas conferem. Com um agravante: forte obsessão por ausências. Idealizar o que não está mais lá, nunca esteve e talvez nunca estará era um de seus hábitos. Criar quereres inexistentes era outro de seus hobbies. Não sabia o que queria, mas fingia que o sabia. Sabia o que não queria, o que já era um começo. A grama do vizinho é sempre mais verde, irritou-se ao perceber o quão estúpida, simplória era a sua forma de ver as coisas. Sentiu-se de novo um bode. Pertencia à classe dos pobres de espírito, porcos da alma, desprovidos de margaridas.

*

As margaridas desapareceram silenciosamente uma noite em uma semana logo depois do dia em que ela completou 19 anos. Com a discrição de damas européias de séculos passados, não deixaram rastros. Saíram de sua vida à francesa, descalças, na ponta dos pés, sem bater a porta ou permitir rangidos incriminatórios do piso de madeira. Alice, quando acordou, percebeu a ausência das flores e, desesperada, começou a procurar em todos os cantos da casa, aos prantos. Revirou as roupas de dentro dos armários, bateu na janela os tapetes empoeirados, revirou página dos livros onde as havia encontrado anos atrás, tirou os discos de suas capas de papelão. Sacudiu as cortinas, os cadernos de poesia rasgados por sua falta de confiança nas letras e em seu talento. Não encontrou e se resignou. Parou de chorar dada a falta de lágrimas gastas com exagero no início de sua dor. Até que decidiu vestir-se e ir ao supermercado.

*

Lugar semivazio, ou semilotado, para os idiotas otimistas. Prateleiras tão brancas que lhe ardiam os pequenos olhos verdes. As embalagens coloriam alguma coisa, em uma tentativa vã de dar vida à luz branca que vilipendiava Alice. Não conseguia se perceber viva, mas inerte, robótica, apática. Lesma, como uma mulher de avental, sem a sujeira da vida. Limpa, pronta para uma cirurgia. Uma executiva de taier, a falta de alma. Dolorida pela ausência de dor.

De repente, uma lata caiu-lhe nos pés. Agachou-se e viu a margarida enlatada. Arrepios tomaram conta de seus braços. Seus pêlos loiros levantaram-se, em estado de alerta. Perigo. Tentação de aderir ao mais fácil. Ao indolor. Ao mais vendido, top na lista dos 10 mais. A margarida enlatada. Tinha dinheiro no bolso. Tinha preguiça do caminho que teria de seguir se a recusasse. Olhou o relógio para esboçar algum tipo de reação. Ter mais tempo para pensar antes do ato final da covardia absoluta. O slogan do produto lhe gritava na memória: poesia, sem talento, esforço ou dor.

Um pensamentozinho, no entanto, impedia Alice de tomar uma decisão. A margarida tinha data de validade eterna. O que anulava a existência da própria margarida, soluçou. Compraria e a teria para sempre. Mas, ao mesmo tempo, nunca mais a teria. Um paradoxo que a enlouqueceu por alguns minutos.

Os dois caminhos lhe foram oferecidos ao segurar a lata. Surgiram duas alternativas que determinariam quem ela seria para o resto da vida: desistir do enlatado e perseguir sua verdade; ou correr à fila do caixa e seguir se arrastando, mas dessa vez sem angústias, dores ou incertezas, com a sensação da presença de uma arte eterna. A beleza estaria em todos os lugares, o tempo todo. Na pobreza das ruas, nos esgotos a céu aberto, no seu espírito miserável e no alheio, nas músicas ruins, nos contos e livros medíocres.

Pensou. Pensou. Hesitou. Mas decidiu. Andou apressada até a placa onde se lia ATÉ DEZ VOLUMES. E enlatou-se toda.

sábado, 4 de outubro de 2008

Lenitivo - All that magic

Não via sentido em não sentir.
Angustiava-se pelos cantos procurando pedacinhos de dor.
Pedacinhos de pranto.
Quebrou o copo, estilhaços percorreram o quarto.
Quebrou o quarto, estilhaços percorreram o corpo.
Debruçada que estava sobre o parapeito, quase poderia ver.
Debruçada que estava, quase pensou em viver.

___

Sentou-se acomodada com o dia quente.
Acercou-se do que parecia paz pós remédio para as Dores.
A sonolência boa, a anestesia que não era cegueira.
Via os carros passando devagar, como se fosse domingo.
As mulheres bonitas nas calçadas, os cafés e os bebês.
Engolia as imagens como se transbordasse vida.
Era tomada pelo prazer de existir. Agradecia.
A plenitude vinha por alguns segundos e se esvaia
Sem exigir atitudes ou recompensas.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

prisões

Desviando-se da enxurrada lembrou-se do tempo em que não precisava de médicos para pensar, fisioterapias para andar e robôs para ouvir música.

Caminhando pelas saudades se deu conta de que havia sido outro há pouco tempo. Dois segundos atrás. Dois dias e quatro anos. Quando era uma esponja de sensibilidade, e via.

Teve pena de si mesmo e de sua psicanálise, seus livros que não lhe diziam nada, suas corridas paradas na esteira, sua casa no centro, suas bebidas que já não lhe libertavam mais, de seu dinheiro gasto em baladas de música ruim. Percebeu que se debatia, buscando a salvação nos lugares er-ra-dos.

Buscava se encontrar na perdição.

Sentia calafrios de pensar que envelhecer já tinha chegado.

pedregulho

Voltar a velhos tempos como se nada tivesse acontecido é como se agredir aos poucos e fingir que não dói. Nada volta ao que era antes. O passado se esvaiu assim como a sobriedade e a lucidez se esvaem no presente. Mesmo depois de sessões de psicanálise que só organizam os pequenos pedaços do pedregulho pesado que carrego nas costas. Ele se torna mais leve, mas nem por isso menos insano. Se torna mais leve por breves momentos, mas depois volta a pesar, como se dragado para baixo, com a gravidade engolidora.

- Cole um post it na tela do computador para se lembrar do quanto é leve, sempre leve.
- Sim, teria de colar em todos os olhares que vejo, em todos os lugares a que vou, em todo o ar.
- Isso, cole.
- Vou comprar no Kalunga.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Madman

Os homens são tão necessariamente loucos que não ser louco seria uma outra forma de loucura. Necessariamente porque o dualismo existencial torna sua situação impossível, um dilema torturante. Louco porque tudo o que o homem faz em seu mundo simbólico é procurar negar e superar sua sorte grotesca. Literalmente entrega-se a um esquecimento cego através de jogos sociais, truques psicológicos, preocupações pessoais tão distantes da realidade de sua condição que são formas de loucura — loucura assumida, loucura compartilhada, loucura disfarçada e dignificada, mas de qualquer maneira loucura.

Ernest Becker, A negação a morte.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Neblina e Sombras, Woody Allen

Eles precisam da ilusão como precisam de oxigênio


"a relação pessoal é, na verdade, um emaranhado confuso de apreensões errôneas e, na melhor das hipóteses, uma trégua incômoda entre poderosos sistemas solitários de fantasia".

Janet Malcolm, sobre a idéia de transferência de Sigmund Freud

"Every quirky adult relationship, from doctor/patient seriousness to disastrous love affairs, follows personality-scripts written well before puberty. If carried far enough, the idea makes romantic love seem
like a pathetic fantasy."

Idem.

Sou o começo, sou o fim, sou o A e o Z.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Replicantes

“Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam. Naves de ataques em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro, na Comporta Tannhauser. Todos esses momentos desaparecerão no tempo como lágrimas na chuva.”

Nexus 6, Blade Runner

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

La vigencia de un genio

Henri Emile Matisse

"Sonho com uma arte de equilíbrio, de tranquilidade, sem assuntos que inquietem ou perturbem, algo assim como um lenitivo, um calmante cerebral parecido com um bom sofá".

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

down to the floor

TV On The Radio e a descoberta da arte. TV On the Radio e a descoberta de mim. Me descubro embaixo das cobertas em uma noite de frio. Wolf like me.

My mind has changed
my bodys frame but god i like it
my hearts aflame
my bodys strained but god i like it

down to the floor
open my hands and let them
weave onto yours

Feel me, completer
down to my core
open my heart and let it
bleed onto yours

Capital

Nossa situação é até pior do que há milhares de anos, pois nossos antepassados dispunham de um inconsciente, mas não da necessidade de controlá-lo e de se integrar ao coletivo.

Os detalhes do mundo administrado são racionais, mas o conjunto é irracional e completamente não-transparente -o capitalismo funciona exatamente dessa forma.

"O Processo", de Franz Kafka, segundo depoimento de Reiner Stach
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1008200809.htm

domingo, 10 de agosto de 2008

fuga

Após quatro dias sem dormir, ele ainda sonhava. Criava cenários fantasmagóricos em sua mente olhando apenas para o rachado do teto do quarto. Sentia frio, vontade de agarrar o primeiro ser que visse na frente para se aquecer e se deixar absorver. A fechadura da porta emperrava a entrada de qualquer um. Seu coração congelava e seu espírito, doía. Suava frio e as gotas lhe cegavam por segundos. Via que em frente haveria algo. Esperava que em frente haveria algo. Mas não tinha paciência para esperar.

- Saia daí antes que se afogue, dizia ela, com uma autoridade e segurança que ele invejou.
- Não saio até que encontre a gota dágua perfeita - respondeu com uma voz indecisa entre o rouco e o desânimo total.

Nada o faria desistir da tentativa eterna. Tentar era o que restava porque sabia que voltaria para o mesmo lugar. Poderia girar o mundo sem que saísse da sala de estar. Da sala de mal estar. Girava em torno do eixo de si mesmo não importa onde estivesse. Lima, Budapeste, Paris, Buenos Aires. Dentro estaria onde estava desde a concepção. Desde o ato maior da concepção.

- Não consigo parar de pensar em mim mesmo, acho que sou egocêntrico, egoísta, egolatra, egolover.
- Tente pensar em um ponto fora de si mesmo e se equilibrar nele. Coloque todo seu peso em cima desse ponto minúsculo que encontrar fora de você.
- Não encontro nenhum ponto fora de mim, além dessa agulha que entra no peito como se uma bolha bailasse entre meus ossos e músculos.
- Melhor procurar um médico, then.

There's a look in your eyes and a crazy smile.

domingo, 18 de maio de 2008

The State That I Am In

Eu não preciso ler para escrever. Fugi das letras para não contemplar o ar podre que respirava todos os dias. Não há necessidade de escrever. Hoje estou mais livre para viver do que para enxergar. Hoje estou mais para ser do que para dizer. Não. Há cinco anos eu me arrastava tanto quanto escrevia. Engolia a realidade com os olhos e sabia me transformar. O que aconteceu nesse meio tempo? Escolhas me trituraram. Deixaram pedaços de mim mortos no passado. Hoje peso pelo menos 15 quilos menos, mas a leveza está cada vez mais pesada.
You're such a baby baby girl so kiss me in the cheek before you go to sleep.
Deve haver uma razão para todos os olhares e as coisas que nunca dissemos antes.
You will married and crying in the morning.
You will be lovely in the morning and dying before you move your feet.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

confusion

Ela entrou no corredor escuro com uma confusão mental característica de sua adolescência. Sabia que não voltaria atrás. Não havia portas reconhecíveis, não havia família, amigos, namorados, professores, inimigos, tentações, choros ou velas. Havia somente ela e aquele corredor escuro. Tapetes ao lado das portas, barulhos de crianças dentro dos apartamentos minúsculos, kafkianos, perturbadores do jeito que a infância é e parece ser para sempre. Correu pelas escadas sorrindo e chorando ao mesmo tempo. Subia a escada de dois em dois degraus querendo a todo custo chegar mais rápido. Lembrava-se da época em que era mais leve, suas pernas mais ágeis, onde tudo não era conflito, mas vida animal, vegetativa, sem poesia, mas vida. Ela tentava a todo custo voltar, mas não iria. Não voltaria. Chegou ao topo. Ao topo do prédio, à beira do abismo, à beira do sonho e do amor eterno. Sabia que não voltaria, sabia que terminaria ali, aos 27 anos.

terça-feira, 25 de março de 2008

kidnapping

me fragmente até o minúsculo ponto do meu ser ser menos do que eu sou. não precisa muito já sou o minúsculo e menor ponto de mim. plástico bolha. só que não tão gostoso assim.
Não me engula porque sou um bubble gum. Um private equity fund.

segunda-feira, 24 de março de 2008

dark as it was inside of me

Cegos que andam em torno de mim e eu mesma completamente cega falo sobre coisas das quais não sei bem. Saio da cegueira para a fotofobia da sala escura e tela branca gigantic, único lugar em que meu canto é invisível e meu desespero, supersônico. Tão longe do meu ponto de vista. Glóbulos para fora do crânio que aprendi a achar que é meu. Prazer próximo da morte. Da morte do morto ou da morte em persona, a Senhora Morte. Pena que dura só duas horas, mas, não, pense bem, dura bem mais lá dentro, felicidade de saber que existem mais almas perdidas dentro dessa bola flutuante, non sense. Descobertas cada vez mais raras. E letras cada vez mais difíceis de serem perfeitas.

too empty to shine

Medo de encarar o branco, no caso, o preto. Não me aventuro pelas desavenças há tempos. Insegurança de iniciante. Frio na barriga de primeiro dia de aula. Ring ring me interrompe. Barulhos sempre me cortam. Um crescendo de esperança e de plenitude ausente.