segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Alfa





"They are playing a game. They are playing at not playing a game. If I show them I see they are. I shall break the rules and they will punish me. I must play their game, of not seeing I see the game."


(R.D. Laing: Knots)


Nos poços


Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobri quê.


O Ovo Apunhalado, Caio. F.


terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Songs Muses

Lou Reed: Walk On The Wild Side (1972)
"Holly came from Miami FLA.Hitchhiked her way across the USA.Plucked her eyebrows on the wayShaved her leg and then he was a sheShe says, hey babe, take a walk on the wild side"

Blur: Country House (1995)
"City dweller, successful fellaThought to himself, Oops I've got a lot of moneyI'm caught in a rat race terminallyI'm a professional cynic but my heart's not in itI'm paying the price of living life at the limit...He lives in a house, a very big house in the country"

The Beatles: She's Leaving Home (1967)
"Wednesday morning at five o'clock as the day beginsSilently closing her bedroom doorLeaving the note that she hoped would say moreShe goes downstairs to the kitchen clutching her handkerchiefQuietly turning the backdoor key,Stepping outside she is free"

De onde vêm os personagens:
http://www.guardian.co.uk/music/2008/dec/13/people-inspired-pop-songs-muses
Quem achou: http://donttouchmymoleskine.wordpress.com/

Benjamin Button

Um conto de Fitzgerald filmado por David Fincher, com Brad Pitt. Pode dar certo.
The Rolling Stone interview
http://www.rollingstone.com/news/coverstory/24958066

domingo, 7 de dezembro de 2008

As crises periódicas de sobre-produção


Ernest Ezra Mandel, introdução ao marxismo

Todas as contradições inerentes ao modo de produção capitalista culminam periodicamente em crises de sobre-produção. A tendência para essas crises periódicas segue uma marcha cíclica da produção, que atravessa sucessivamente as etapas de reanimação econômica, de alta conjuntura, de "sobre-aquecimento" (boom), de crise e de depressão, todas inerentes a esse modo de produção e só a ele. A amplitude dessas flutuações pode variar de época para época, mas a sua realidade é inevitável em regime capitalista.

Houve crises econômicas (no sentido de interrupção da produção normal) em sociedades pré-capitalistas; existem também nas sociedades pós-capitalistas. Mas nem em um caso nem no outro existem crises de sobre-produção de mercadorias e de capitais, antes de crises de sub-produção de valor de uso. O que caracteriza a crise de sobre-produção capitalista é que os rendimentos baixam, o desemprego cresce, a miséria instala-se, não porque a produção física baixe, mas, ao contrário, porque aumenta de maneira excessiva em relação ao poder de compra disponível. É porque os produtos são invendáveis que a atividade econômica baixa e não porque fisicamente escasseiem.

Na base das crises periódicas de sobre-posição estão, ao mesmo tempo, a baixa da taxa média de lucro, a anarquia da produção capitalista e a tendência a desenvolver a produção sem ter em conta os limites que o modo de distribuição burguês impõe ao consumo das massas laboriosas. Por efeito da baixa da taxa de lucro, uma parte crescente dos capitais já não pode obter um lucro suficiente. Os investimentos reduzem-se. O desemprego cresce. A falta de venda de um número crescente de mercadorias combina-se com esse fator para precipitar a queda geral do emprego, dos rendimentos, do poder de compra e da atividade econômica no seu conjunto.

A crise de sobre-produção é, simultaneamente, o produto destes fatores e o meio de que dispõe o regime capitalista para lhe neutralizar parcialmente os efeitos. A crise provoca a baixa de valor das mercadorias e a falência de numerosas firmas. O capital total sofre pois uma redução em valor. Isso permite uma recuperação da taxa de lucro e da atividade acumulativa. O desemprego maciço permite aumentar a taxa de exploração da mão de obra, o que conduz ao mesmo resultado.

A crise econômica acentua as contradições sociais e pode desembocar numa crise social e política explosiva. Assinala que o regime capitalista está maduro para ser substituído por um regime mais eficaz e mais humano, que deixe de dissipar os recursos humanos e materiais. Mas a crise não provoca automaticamente a derrocada deste regime. Deve ser derrubado pela ação consciente da classe revolucionária que fez nascer: a classe operária.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

The Corporation

Um dos problemas da minha geração é o fato de não haver um inimigo comum a combater. Claro que o capital é um inimigo, mas a minha é a primeira das gerações que passou a vê-lo como algo inevitável e perpétuo. Aquela preguiça burra de se conformar quando as coisas parecem difíceis de serem mudadas, já que existem desde que nascemos e continuam a existir. Daí, os que não se conformam, ficam dispersos. Vão para o Greenpeace, para o PSTU, para algum templo zen budista, para a psicanálise, ou para a arte individualista. Todos lenitivos para tentar viver melhor em meio a uma realidade angustiante permeada pelo produto e pela prevalência da imagem.

Mas ontem vi The Corporation algumas coisas ficaram mais claras. No final das contas, todos esses movimentos, desde os de defesa dos direitos dos animais até os de defesa dos direitos dos trabalhadores, até o indivíduo angustiado no divã, estão tentando se proteger das conseqüências do poder ilimitado das grandes corporações. Elas são a real face do capitalismo hoje, um grupo de no máximo 200 empresas que passam por cima de toda e qualquer lei estatal que defenda algum tipo de interesse coletivo para obter seu único objetivo: lucro máximo.

Daí a ausência de democracia. É possível democracia em um mundo onde as grandes corporações têm total poder para fazer o que quiserem para ter mais e mais lucro? Corporações podem explorar trabalhadores em qualquer país do globo, desrespeitando qualquer lei ambiental e de direitos humanos, e os governos locais ainda agradecem, já que elas estão “incentivando a economia local”. Corporações podem usar meios ilegais para aumentar a produtividade com a conivência de governos e da mídia. E com a globalização, se tornam ainda mais poderosas, fazendo com que leis de cada nação se pareçam mais uma piada. No lugar da Igreja e do Estado, as corporações formam a instituição mais poderosa hoje. Só que ninguém as elegeu, e ninguém as percebe como um poder único.

Que importa a eleição de Obama, sendo que quem realmente governa os EUA e o globo são os grandes grupos empresariais? As regras já estão dadas. E o pior, nem mesmo dentro das empresas há algum tipo de democracia. Nem mesmo os CEOs (jargão militar!) sabem o que estão fazendo. Têm que prestar contas a acionistas, cujo único interesse é a alta rentabilidade. Ou seja, mesmo que bem intencionado e preocupado com o “bem coletivo” um CEO não é capaz de mudar nada dentro de uma corporação, já que a lucratividade é o objetivo maior. Ignorância dos interesses coletivos em nome dos privados: caos.

O caos já existe faz tempo do lado de cá, das conseqüências, dos males ao meio ambiente e da pobreza generalizada, da concentração do capital de forma a impedir qualquer reação, já que é cada vez mais difícil se tornar dono de um meio de produção. Mas agora o caos está passando para o lado de lá. Esse total desrespeito aos interesses coletivos está engolindo o próprio capital que, se der lucro, é capaz de vender a própria corda que vai enforcá-lo. Claro que não sou tão inocente a ponto de achar que ele vai acabar aqui. Ele encontra seus meios de se perpetuar. As crises são feitas justamente para ele se perpetuar, quando muitos estão ganhando, os mais fortes dão um jeito de alijar os bicões da festa.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Manual do crescimento

Este Lado do Paraíso, F. Scott Fitzgerald

Monsenhor Darcy convidou Amory para passar uma semana no palácio Stuart, junto ao rio Hudson, durante o Natal, e lá os dois tiveram prolongadas conversas ao pé da lareira. Monsenhor estava ficando um tanto corpulento e sua personalidade acompanhava aquela expansão. Amory sentiu segurança e conforto em refestelar-se numa poltrona bem macia e em fumar com ele um charuto, hábito tão saudável na meia-idade.
“Tenho pensado em deixar a universidade, monsenhor”.
“Por quê?”
“Minha carreira está se dissipando no ar, como fumaça; o senhor poderá achar que isso é trivial, mas...”.
“Trivial? De modo algum. Penso que é extremamente importante. Quero que você me conte tudo que andou fazendo, desde a última vez que nos vimos”.
Amory assim o fez. Narrou, com todos os pormenores, a destruição provocada por seus procedimentos egoístas. Daí a meia-hora, o tom apático com que se exprimia mudou.
“Não sei, não. Gosto de viajar, mas evidentemente essa guerra cansativa me impede. De qualquer modo, minha mãe detestaria que eu não me formasse. Sinto-me perdido. Kelly Holiday quer que me aliste com ele no Esquadrão Lafayette.”
“Você mesmo sabe que não gostaria de ir”.
“Sim, algumas vezes sei, mas hoje iria em um segundo”.
“Bem, para isso você teria de estar muito mais cansado da vida do que penso que está. Eu o conheço”.
“Receio que sim”, concordou Amory com relutância. “É que isso me pareceu o modo mais fácil de me livrar de tudo, especialmente quando penso em mais um ano inútil, sem o menor interesse, na universidade”.
“Sim, eu sei, mas para dizer a verdade não me preocupo com você. Parece-me que está realizando progressos, e com a maior naturalidade.”
“Não”, retrucou Amory, “em um ano perdi metade de minha personalidade”.
“De modo algum”, disse monsenhor, em tom zombeteiro. “O que você perdeu foi apenas uma bela carga de vaidade”.
“Antes fosse! De qualquer modo, sinto como se tivesse repetido o ano mais uma vez em St. Regis”.
“Não.” Monsenhor balançou a cabeça. “St. Regis foi uma falta de sorte, mas a universidade lhe tem feito bem. Qualquer coisa válida que possa acontecer não será através dos canais que você andou buscando no ano passado”.
“Mas o que poderia ser mais inútil do que a minha atual falta de entusiasmo?”
“Talvez a coisa em si... mas você está progredindo. Isso lhe deu tempo para pensar e você está desvencilhando-se de boa parte de seus conceitos sobre fazer sucesso, ser um super-homem etc. Pessoas como nós não podem adotar teorias em bloco, conforme você fez. Se pudermos pôr em prática o próximo objetivo que nos interessa e se pudermos dedicar uma hora por dia para refletir sobre ele, realizaremos coisas maravilhosas. No entanto, faremos papel de idiotas se nos entregarmos a qualquer esquema ditatorial que envolva submissão a uma dominação absoluta”.
“Mas, monsenhor, é esse próximo objetivo que eu não consigo pôr em prática.”
“Amory, cá entre nós, só muito recentemente é que eu aprendi como agir neste sentido. Há mil coisas que eu consigo fazer, além do próximo objetivo, mas é exatamente isso que me bloqueia, exatamente como a matemática me bloqueou na universidade.”
“Mas por que devo realizar meu próximo objetivo? Nunca me parece o tipo de coisa que eu deva fazer”.
“Temos de fazer, pois não somos personalidades, mas personagens”.
“Boa fala, mas o que o senhor quer dizer com ela?”
“Personalidade é aquilo que você julgava ser, aquilo que esse Kelly e esse Sloane, de quem você me fala, evidentemente são. Personalidade é quase inteiramente uma questão física. Ela rebaixa as pessoas sobre as quais atua e muitas vezes eu a vi desvanecer, por exemplo sob uma prolongada doença. Mas enquanto uma personalidade é ativa, ela ignora o ‘próximo objetivo’. Um personagem, por outro lado, aglutina. Nunca se pensa nele à parte daquilo que realizou. Ele é uma viga-mestra, na qual foram dependuradas milhares de coisas, às vezes coisas brilhantes, como são as nossas. Ele, porém, usa-as com fria determinação.”
“Várias de minhas possessões mais brilhantes me fizeram falta quando eu mais precisava delas.”
“Precisamente. Isso acontece quando você sente que seu prestígio e seu talento se acumularam e você não precisa se preocupar com quem quer que seja. Pode lidar com as pessoas sem a menor dificuldade.”
“Mas, por outro lado, não possuo nada, estou desamparado!”
“De modo algum!”
“Bom, não deixa de ser uma idéia.”
“Você tem tudo para começar bem e é uma condição que Kelly ou Sloane, por razões estruturais, jamais terão. Livrou-se de três ou quatro coisas supérfluas e, num momento de capricho, desfez-se de tudo o mais. O importante agora é apropriar-se de coisas novas e quanto maior for o alcance de sua visão, nesse ato de apropriação, melhor para você. Lembre-se, porém, do próximo objetivo!”
“Como o senhor deixa tudo tão claro!”
E assim dialogavam, muitas vezes a respeito de si mesmos e outras sobre filosofia, religião e também sobre a vida como jogo ou mistério. O sacerdote parecia adivinhar os pensamentos de Amory antes mesmo que se tornassem claros para o jovem, a tal ponto suas mentes estavam sintonizadas.
(...)
Após voltar à universidade, Amory recebeu várias cartas do monsenhor, que lhe forneceram mais combustível com que alimentar seu egocentrismo.

Receio ter lhe dado excessivo apoio em relação à sua inevitável segurança, mas deve lembrar-se que agi assim devido à fé nos esforços que você empreende e não movido pela total convicção de que triunfará sem muito lutar. Precisará reconhecer que existem certas nuances em seu caráter, mas deve tomar cuidado em confessá-las para os outros. Você não é nada sentimental, é quase incapaz de afeto, é astuto, sem ser matreiro, vaidoso, sem ser orgulhoso.
Não se permita o sentimento de inutilidade. Muitas vezes, ao longo da vida, você estará em seu pior momento quando tiver sua pessoa no mais elevado conceito. Não se preocupe em perder sua “personalidade”, como insiste em chamá-la. Aos quinze anos você possuía o esplendor da alvorada, aos vinte começará a ter a cintilação melancólica da lua e quando chegar à minha idade irradiará, como eu irradio, o dourado e genial calor do início do crepúsculo.
Se acaso me escrever, deixe que suas cartas sejam naturais. A última delas, seu ensaio sobre arquitetura, era detestável e de tal modo empolada que eu o visualizo vivendo em um vácuo intelectual e emocional. Cuide de não tentar classificar muito definidamente as pessoas em tipos. Descobrirá que, durante toda sua vida, elas persistiram, de maneira muito tediosa, em saltar de uma classe para outra, e ao aplicar um rótulo desdenhoso em todo mundo estará prendendo um boneco de mola numa caixa, que saltará e zombará de você quando começar a manter, com o mundo, um contato realmente antagônico. Idealizar um homem da estatura de um Leonardo da Vinci seria uma referência mais valiosa no momento que você está vivendo.
Você está sujeito a elevações e quedas, conforme aconteceu comigo em minha juventude, mas mantenha a clareza de espírito e, se acaso tolos ou sábios ousarem criticá-lo, não se culpe excessivamente.
Você afirma que a convicção é aquilo que o mantém verdadeiramente íntegro nesta “proposta feminina”, porém é mais do que isto, Amory. É o receio de não poder interromper aquilo que iniciou. Se isso acontecesse, você se desorientaria e sei do que estou falando. Trata-se daquele sexto sentido, meio milagroso, por meio do qual você detecta o mal, é aquele temor a Deus, do qual você se dá conta em parte, e que reside em seu coração.
Qualquer que seja o caminho que venha a seguir – religião, arquitetura, literatura – tenho plena convicção de que estaria muito mais seguro ao apoiar-se na Igreja, porém não colocarei minha influência em risco argumentando com você, embora, no íntimo, esteja convencido que o “abismo negro de Roma” se abre diante de sua pessoa. Não demore para escrever-se

Lembranças afetuosas
THAYER DARCY