segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Uma aprendizagem, Clarice L.

A condição humana de Ulisses era maior que a dela que, no entanto, tinha um cotidiano rico. Mas seu descompasso com o mundo chegava a ser cômico de tão grande: não conseguira acertar os passos com as coisas a seu redor. Já tentara se pôr a par do mundo e tornara-se apenas engraçado: uma das pernas sempre curta demais. (O paradoxo é que deveria aceitar de bom grado essa condição de manca, porque também isto fazia parte de sua condição.) (Só quando queria andar certo com o mundo é que se estraçalhava e se espantava.) E de repente sorriu para si própria com um sorriso amargo, mas que não era mau porque também ele era de sua condição. (Lóri se cansava muito porque ela não parava de ser.)

Pareceu-lhe que Ulisses, se ela tivesse coragem de contar-lhe o que sentia, e jamais o faria, se lhe contasse ele responderia mais ou menos assim e bem calmo: a condição não se cura, mas o medo da condição é curável. Ele diria isso ou qualquer outra coisa - irritou-se porque cada vez que lhe ocorria um pensamento mais agudo ou mais sensato como este, ela supusesse que Ulisses era quem o teria,

ela, que reconhecia com gratidão a superioridade geral dos homens que tinham cheiro de homens e não de perfume, e reconhecia com irritação que na verdade esses pensamentos que ela chamava de agudos ou sensatos já eram resultado de sua convivência mais estreita com Ulisses. E mesmo o fato de seus "sofrimentos" serem agora mais espaçados, o que devia a Ulisses - "sofrimentos"? ser era uma dor? E só quando ser não fosse mais uma dor é que Ulisses a consideraria pronta para dormir com ele?